quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Harmonia conjugal




O tipo nem queria acreditar no que lhe sucedera. A febra que andava a tentar engatar havia longo tempo, tinha finalmente cedido e a coisa estava praticamente no papo.
Tinha-a convidado para jantar e, entre sorrisos cúmplices, para o que depois mais pudesse acontecer.
Havia apenas um pequeno problema: como é que ia conseguir enganar a mulher que o esperava, como habitualmente, para mais uma serão monótono, cada um em frente à sua televisão, ela nas telenovelas e ele a consumir o amado canal do seu clube.
Entrou em casa. Deu um “boa noite” meio de fugida e sentou-se à mesa. Nem tirou o casaco nem sequer a gravata. Deixou escapar uma lengalenga relacionada com o dia que tinha sido uma merda, com montes de chatices e todos a tentarem lixá-lo.
A mulher assomou à porta da sala e debitou um “olá”. Franziu o sobrolho quando o viu naqueles preparos e atirou: “Então, vens para a mesa e nem tiras o casaco, nem a gravata”?
 Prontos! Um gajo vem na pior do trabalho, feito num oito, só aguento aquilo por tua causa e das crianças e o que recebe? Compreensão? Apoio? Nada, apenas recriminações. Lembrei-me lá de tirar a gravata… Olha, sabes que mais? Vou mas é embora, hoje nem me apetece jantar.
Sai apressadamente, desliga o telemóvel e dirige-se para o carro que faz arrancar deixando restos de pneu no asfalto.
Finalmente o que tanto desejara ia acontecer. Jantar romântico, um pezinho de dança e, para finalizar, uma visita ao quarto independente, alugado em boa hora, mas apenas utilizado por amigos mais batidos no assunto.
Pelas cinco da manhã pára o utilitário à porta de casa. Algum tempo antes, após levar a dama a casa, tinha bebido dois valentes goles da garrafa de whisky, estrategicamente guardada na bagageira e, para disfarçar perfumes alheios, passado as mãos, embebidas no líquido, pelo cabelo e pescoço.
Com a gravata convenientemente de lado e um pretenso caminhar cambaleante, entrou. A mulher, no sofá, com ar choroso, levantou-se e abraçando-o sussurou: “Meu querido, desculpa, sei que fiz mal; tu esforças-te por nós e eu não te dei a atenção devida. Perdoa-me, perdoa-me. Tive medo que bebesses muito nalgum bar e tivesses algum acidente. Anda, toma um banho e vem deitar-te”.


quarta-feira, 25 de novembro de 2009

O grande radialista Alfredo Alvela, meu colega na casa de quartos alugados, uma velha mansão do Conde Redondo, bem juntinha ao saudoso Rialto, tinha um truque: Entrava sorrateiro, pé ante pé, encostava o ouvido à porta do quarto da velha dona da casa, verificava pelo ronco que esta pairava nos braços de Morfeu e, uma vez certo do caminho livre, chamava a dama que esperava no patamar da escada. Muitas vezes apanhado à saída, ouvindo-se então o remoque: "Senhor Alfredo, estou farta de lhe dizer que isto é uma casa séria, não serve para estas coisas. A continuar assim vai ter de se ir embora".
Em comum tinhamos um enorme ódio de estimação a um hóspede mais antigo, tipo sorumbático, já velho, de poucas ou nenhumas falas, pouco frequentador da sala da televisão e a quem não conheciamos gajas. A razão? Simples: Era o felizardo que morava no quarto independente.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

O tipo procurava uma residencial, com algum nome, em Lisboa, uma vez que não convinha assustar a dama levando-a para um qualquer antro, cheio de percevejos e com lençóis por onde já tinham passado outros cús.

Havia uma, a A.P., onde até o nome tinha alguma conotação vagamente religiosa. Cumpridas as formalidades e aviado o serviço, ainda havia a hipótese de um pregito na Portugália, que, na época encerrava portas bastante mais tarde.

Na vez seguinte, como a coisa tinha corrido bem, volta o nosso protagonista à mesma residencial. Ainda por cima, como já tinha "ficha", pensava ele, as coisas seriam ainda mais simples.

Sabe... está aqui uma anotação a seu respeito... não leve a mal... isto é uma casa séria... não serve para esse tipo de coisas...

Saída rápida. Felizmente havia uma pochette daquelas que, dobradas, eram pequenas e desdobradas um saco de viagem. Depois de convenientemente cheia com um "Expresso",cujas páginas foram reduzidas a pequenas bolas de papel, o casalito ruma à residencial S.P. , um pouco mais à frente...

Cumpridas as formalidades e aviado o serviço, ainda havia a hipótese de um pregito na Portugália, que, na época encerrava portas bastante mais tarde.

Na vez seguinte, como a coisa tinha corrido bem, volta o nosso protagonista à mesma residencial. Ainda por cima, como já tinha "ficha", pensava ele, as coisas seriam ainda mais simples, ainda por cima ancorado no truque da falsa mala que entrava cheia e saía, pela uma e picos, completamente reduzida a uma insignificante bolsinha.

Sabe... está aqui uma anotação a seu respeito... não leve a mal... isto é uma casa séria... não serve para esse tipo de coisas...

Quando o tipo pensava para consigo: Foda-se outra vez a mesma merda... o recepcionista salvou-o:

Sabe, nós temos aqui mais à frente, num prédio de habitação, um andar completo onde, discretamente, um "casal que venha a Lisboa" pode descansar duas ou três horas antes de voltar para a província. Você tem sorte porque ainda tenho livre o... quarto independente.

domingo, 27 de setembro de 2009

Com saída directa para a escada, discreto, ideal para as senhoras convidadas não serem vasculhadas pela(o)s restantes hóspedes, exceptuando obviamente a espreitadela pelo ralo da porta principal. Com ou sem serventia, mas, normalmente, com acesso à casa-de-banho o que implica a existência de duas chaves (mais a da escada). Renda: trezentoas e vinte escudos, mais dez escudos para a limpeza. Inclui luz, banho semanal e lavagem da roupa de cama.Localização: A nossa Lisboa.